O café, bebida apreciada mundialmente, agora pode se tornar protagonista de uma revolução na alimentação. Uma pesquisa inédita, realizada por cientistas da Universidade Federal Fluminense (UFF), abre portas para um futuro onde os resíduos do processamento do café se transformam em ingredientes nutritivos e sustentáveis.
A professora da Faculdade de Farmácia da UFF, Thais Matsue Uekane, e pela aluna Ingrid Pacheco, mestre em Desenvolvimento de Produtos para Saúde pela UFF, identificaram um potencial enorme nos resíduos da produção de café, como a casca e a polpa. O projeto de pesquisa intitulado “Avaliação do potencial econômico de resíduo sólido do processamento de café arábica do Estado do Rio de Janeiro” foi contemplado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Os resultados foram surpreendentes. A casca do café, por exemplo, revelou-se uma verdadeira fonte de fibras, com um teor até 50% superior ao da farinha de trigo integral. Além disso, a pesquisa apontou a presença de cerca de 10% de proteínas e um baixo teor de lipídios.
Essa descoberta abre um leque de possibilidades para a indústria alimentícia. A farinha de casca de café pode ser utilizada em diversas receitas, como pães, biscoitos e massas, adicionando valor nutricional e um toque inovador aos produtos.
De acordo com Uekane, a ideia surgiu da observação da grande quantidade de resíduos gerados nas fazendas de café. “Ao invés de descartar esses materiais, decidimos explorar seu potencial e desenvolver um produto com alto valor agregado.”
A pesquisadora explica que um dos grandes trunfos do farelo de casca de café é seu conteúdo de compostos bioativos, como a cafeína e os ácidos clorogênicos, ambos com potencial antioxidante. “Esses compostos podem ser liberados no organismo durante o processo digestivo, trazendo benefícios à saúde, como a melhoria da memória e o combate aos radicais livres, quando incorporados a alguns alimentos”, detalha.
Entretanto, o uso da casca do café como ingrediente alimentar precisa ser feito com cautela. O teor de cafeína, por exemplo, pode limitar seu consumo para grupos específicos, especialmente gestantes e crianças. Ainda assim, o farelo se mostra promissor como substituto de farinhas tradicionais e pode ser utilizado em biscoitos, macarrões, bebidas fermentadas e outros produtos alimentícios enriquecidos com fibras e antioxidantes.
Impacto ambiental
Além dos benefícios nutricionais, o estudo destaca o impacto ambiental positivo. O Brasil, maior produtor mundial de café, gera uma enorme quantidade de resíduos que, na maior parte das vezes, é reutilizada como adubo, mas que também é descartada de forma inadequada. Iniciativas como essa, que buscam dar um destino nobre a esses subprodutos, podem contribuir para a sustentabilidade na cadeia produtiva do café, reduzindo o impacto ambiental e oferecendo novas oportunidades econômicas, especialmente para pequenos produtores.
Segurança alimentar
A pesquisadora garante ainda que o processo de análise microbiológica envolveu a avaliação de microrganismos como Escherichia coli e Salmonella, e nenhum desses foi detectado, indicando que o produto pode ser seguro para consumo. Além disso, foram realizadas análises de bolores, leveduras e bacillus cereus em desdobramentos posteriores da pesquisa, com resultados também favoráveis quanto à segurança microbiológica do subproduto.
O reaproveitamento de resíduos na produção de alimentos tem se tornado uma tendência global e, cada vez mais, há estudos direcionados para essa prática. Como é o caso do Safety of dried coffee husk (cascara) from Coffea arabica L. as a Novel food pursuant to Regulation (EU) 2015/2283, análise encomendada pela União Europeia, que comprova a segurança desse produto como novo ingrediente alimentar. A investigação do grupo de pesquisa da UFF se alinha a esse movimento e espera-se que a indústria brasileira implemente essa inovação.
A professora Thais Matsue também ressalta o alinhamento do projeto com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Os inúmeros efeitos positivos do desenvolvimento de alimentos reaproveitados também são destacados pelo possível cumprimento de 7 dos 17 ODS estipulados pela ONU, sendo eles erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, energia limpa e acessível, trabalho decente e crescimento econômico, consumo e produção responsáveis, vida terrestre e como contribuição para economia circular”, conclui.
Fotos: UFF/Divulgação e Felipe Quijano