Um estudo inédito no Brasil, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou dados alarmantes sobre o cyberbullying entre jovens. A pesquisa, que envolveu mais de 159 mil estudantes de 13 a 17 anos, tanto de escolas públicas quanto privadas, constatou que 13,2% dos adolescentes já foram vítimas de agressões online.
Os dados constam na edição mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde (MS). Jovens do sexo feminino (16,2%), filhos de mães sem escolaridade (16,2%) e estudantes de escola pública (13,5%) estão entre as principais vítimas das agressões. A prevalência também é expressiva entre escolares que relatam sofrer agressão dos pais (22,6%), que não têm supervisão dos pais para o que fazem no tempo livre (18,1%), que não moram com os pais (15,4%), que faltam às aulas sem autorização dos pais (18,4%), que sentem que ninguém se importa com eles (18,6%), que se sentem tristes (17%), que não têm amigos (26,1%) e que afirmam que a vida não vale a pena (22,3%). Além disso, estudantes que usam bebidas alcóolicas (19,1%), cigarro (24,8%), tabaco (22,4%) e drogas ilícitas (26,4%) e que relataram ter tido relação sexual (17,1%) também apresentaram maior prevalência de cyberbullying.
A coordenadora do estudo, professora Deborah Carvalho Malta, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem, explica que os estudantes foram previamente informados sobre os objetivos e as principais características da pesquisa e sobre a participação voluntária: “Eles responderam a um questionário estruturado, autoaplicável por meio de smartphone, sob a supervisão de pesquisadores do IBGE, que contemplava informações sobre situação socioeconômica, contexto familiar, experimentação e uso de cigarro, álcool e outras drogas, violência, segurança, acidentes e outras condições de vida.”
O cyberbullying, caracterizado pela disseminação de conteúdos ofensivos, como imagens, vídeos ou mensagens, por meio de redes sociais e aplicativos de mensagem, tem se tornado um problema cada vez mais comum na sociedade contemporânea. A pesquisa destaca a gravidade dessa forma de violência, que pode causar danos psicológicos significativos às vítimas.
Saúde mental
Ainda de acordo com o estudo, os adolescentes mais novos (13 a 15 anos) tiveram maior prevalência de cyberbullying. A professora ressalta que esse achado é discrepante em relação a alguns estudos internacionais, que têm indicado maior exposição entre os mais velhos.
A prática também é fortemente associada a indicadores de saúde mental comprometida. Adolescentes que informaram não ter amigos, que acreditam que ninguém se importa com eles e que a vida não vale a pena também sofrem com o cyberbullying. “Esses resultados estão em conformidade com a literatura, que identificou que essas vítimas tiveram um aumento substancial nos riscos relacionados com depressão, ideações suicidas, tentativas de suicídio e automutilação”, reforça Deborah Malta.
A professora afirma que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem manifestado preocupação com o crescimento da prática e de outras formas de violência on-line contra as crianças. “Além do cyberbullying, crescem também a exploração e o abuso sexual infantil on-line, a produção e transmissão de abuso sexual infantil e outras formas de vitimização. A OMS define estratégias para o enfrentamento, como programas de prevenção focada nos jovens, programas de segurança on-line para crianças e adolescentes e medidas regulatórias e de segurança de internet contra cyberbullying”, elenca.
Combate no Brasil
Deborah Malta destaca ainda que, no Brasil, um fato positivo foi a aprovação, em janeiro de 2024, da Lei 14.811/2024, que estabelece que os municípios deverão adotar protocolos de proteção às crianças e adolescentes contra todas as formas de violência no ambiente escolar e viabilizar a capacitação de profissionais docentes. “As medidas deverão ser executadas em parceria com os estados e a União. A lei define punições e multas para adultos que cometem bullying contra crianças ou adolescentes. No caso de agressão cometida por adolescentes, eles respondem por meio de medidas socioeducativas; no caso de crianças, os responsáveis legais são processados, com pena de reclusão de dois a quatro anos e pagamento de multa para situações de intimidação na internet, redes sociais, aplicativos ou jogos”, detalha a professora.
O estudo conclui que é necessário monitorar a prática de agressões em ambientes digitais e propor soluções para o seu enfrentamento efetivo, uma vez que mensagens ofensivas podem se disseminar e perpetuar no espaço virtual. “Com a dificuldade de se identificar os agressores na internet, muitas vezes essa forma de violência é ainda mais desafiadora, com poucas punições e permanência oculta da identidade de seus perpetradores. Esses aspectos indicam a necessidade de avançar nas ações regulatórias das redes sociais e estabelecer punições claras, ações nas áreas de saúde, educação, poder judiciário e família, visando cumprir a agenda 2030 relacionada ao bem-estar dos adolescentes”, conclui Deborah Malta.
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