As inovações no setor energético têm buscado aproveitar estruturas existentes na cidade e no campo, voltadas para a sustentabilidade e alinhadas à necessidade de desenvolvimento da indústria, do agronegócio e da qualidade de vida. Na Universidade Federal de Lavras (UFLA), cientistas trabalham no desenvolvimento de produtos inéditos para a geração de energia renovável, capazes de compor estruturas arquitetônicas e áreas agrícolas, além da produção de biocombustíveis. O diferencial? A aplicação de bionanomateriais à base de fungos.
O coordenador da Gaia – agência de inovação responsável pelos projetos na UFLA -, professor Joaquim Paulo da Silva, explica que o advento das energias renováveis vem da necessidade de transformação da matriz energética, uma vez que a utilização expansiva do petróleo e seus derivados tem causado grande impacto no planeta, como é o caso das mudanças climáticas. “É momento de realizarmos um planejamento para nossas futuras gerações. Mas, ao mesmo tempo que precisamos de mudanças para reduzir o impacto ambiental, precisamos de condições que garantam a segurança energética no País e no mundo”, ressalta o pesquisador.
Redução no uso do petróleo: o biobutanol
Os trabalhos dos pesquisadores para desenvolver alternativas ao uso de combustíveis fósseis passam pela engenharia de enzimas. A equipe realiza a síntese de biocombustíveis usando proteínas e polissacarídeos de diferentes microrganismos, com destaque para os fungos, juntamente com a gordura residual de animais, como boi, porco, frango e peixe.
O biobutanol apresenta diversos benefícios na utilização em automóveis e tem também aplicabilidade como solvente em indústrias. O produto tem menor corrosão, menor predisposição para a contaminação da água e reduz as emissões de carbono para o meio ambiente.
Segundo o coordenador dos projetos, o professor do Instituto de Ciências Naturais (ICN) da UFLA Eustáquio Souza Dias, produtos de origem fúngica apresentam um potencial ainda maior do que o explorado até então no Brasil. “A produção tradicional de etanol conta com a utilização da levedura Saccharomyces cerevisiae (a levedura do pão), que interage com açúcares de 6 carbonos (açúcares 6C), como é o caso da glicose. Mas essa levedura possui algumas limitações como, por exemplo, a incapacidade de utilizar açúcares de 5 carbonos (açúcares 5C), que são muito abundantes no material vegetal, como é o caso da xilose. Na produção do etanol de segunda geração, outras espécies de fungos são capazes de utilizar tanto açúcares 6C como 5C, o que amplia as possibilidades de matérias-primas”, explica o pesquisador.
Além disso, os resíduos provenientes dos fungos gerados durante o processo de produção do biobutanol podem ser fonte de diferentes produtos de importância biotecnológica, como as quitosanas, que têm aplicações sustentáveis na agricultura, na indústria e na saúde. “Essas quitosanas podem ser usadas como pesticidas biológicos, como agentes filtrantes na indústria de sucos, na remoção de metais pesados presentes na água, ou ainda no tratamento de feridas crônicas, dentre tantas outras aplicações”, ressalta o professor.
Por um agro sustentável
Uma das pesquisas busca um sistema produtivo com baixo impacto ambiental. A ideia é que, ao mesmo tempo em que grandes áreas são utilizadas para plantação, nelas possam ser instalados sistemas agrovoltaicos. “É literalmente usar o mesmo espaço para cultivo e sobre esse cultivo colocar os paineis solares”, explica Tatiana Cardoso e Bufalo, professora do ICN/UFLA e responsável pela síntese de bionanopartículas.
Sistemas fotovoltaicos podem ser promissores em grande parte do Brasil, devido ao elevado índice de radiação solar no território. Mas o desafio em áreas de plantio brasileiras é que os painéis solares tradicionais fazem sombra sobre as plantações, comprometendo o desenvolvimento de plantas de sol, como é o caso do café. Por isso, a tecnologia inovadora da UFLA utiliza a síntese de nanopartículas por fungos para o desenvolvimento de células solares transparentes. “Assim, a parte da radiação visível, que é o que as plantas de fato usam, passa pelas células solares transparentes. Mas a radiação UV, que pode fazer mal para elas, fica para o painel solar usar e transformar em energia”, explica Tatiana.
Integração arquitetônica de alto nível
Na construção civil, outra pesquisa segue a tendência mundial de BIPV (Building-Integrated Photovoltaics). O objetivo é utilizar os bionanomateriais à base de fungos para criação de células foto-supercapacitoras a serem incorporadas nas estruturas de casas e prédios, gerando energia a partir da incidência solar.
A tecnologia trabalha em sistema off-grid, ou seja, um sistema autônomo que não necessita de ligação à rede elétrica padrão. Atualmente, os sistemas off-grid utilizam baterias para o armazenamento de energia.
De acordo com Tatiana, já existe uma movimentação no mercado mundial para a substituição das baterias pelos chamados supercapacitores, visando à redução dos custos e à segurança energética. “Os supercapacitores podem ser feitos com biomateriais. Nosso estudo na UFLA busca criar um foto-supercapacitor estrutural. Isso é: um mecanismo que unifique a célula solar, para captação, e um supercapacitor, para armazenamento da energia, em uma tecnologia que possa ser integrada ao cimento nas mais diversas construções”, explica a cientista.
As pesquisas sobre energia renovável na UFLA contam com equipes multidisciplinares e parcerias com outras instituições, como a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e a Universidade de Santa Catarina (UFSC). As iniciativas estão sendo patenteadas e, atualmente, estão em diferentes fases de desenvolvimento
A Gaia/UFLA é uma agência criada com o objetivo de transformar vidas por meio do desenvolvimento de materiais avançados e da inovação em energias renováveis, buscando promover soluções tecnológicas práticas aliadas ao desenvolvimento econômico e social e à sustentabilidade e à proteção ambiental.
Texto: Samara Avelar
Foto: Samara Avelar e Sérgio Augusto