Pesquisa Acadêmica

Conteúdos étnico-raciais em livros didáticos do Novo Ensino Médio apresentam lacunas, aponta pesquisa da Unifal

Compreender como os conteúdos étnico-raciais são abordados nos livros didáticos, especialmente após as mudanças no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) com a implantação do Novo Ensino Médio em 2017. Este é o objetivo de um projeto de pesquisa de iniciação científica da acadêmica Giovanna Deodoro da Costa, do 8º período do curso de Geografia (Licenciatura) da Universidade Federal de Lavras (Unifal).

O projeto envolve a discussão da lei, que estabeleceu em 2003 as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Conforme a discente, a motivação para desenvolver o projeto “Os 20 anos da Lei nº 10.639/2003 e a educação antirracista: análise de livros didáticos de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Novo Ensino Médio” partiu da sua formação familiar e dos estudos desenvolvidos na UNIFAL-MG, nos quais teve oportunidade de vivenciar o ambiente escolar nas atividades do estágio curricular supervisionado, dos programas de formação de professores e professoras fomentados pela Capes, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e o Programa Residência Pedagógica.

“Desde a adolescência, meu pai teve comigo conversas esclarecedoras sobre o racismo. Ao realizar a disciplina de Educação e Relações Étnico-Raciais, ministrada pela professora Ana Lúcia, no curso de Geografia, compreendi de forma ainda mais profunda a importância da prática docente no processo de uma educação antirracista”, explica.

A discente acrescenta que sua experiência no estágio permitiu identificar o quanto o livro didático é utilizado em salas de aula. Somada a essa constatação prática, a ideia de trabalhar com os livros didáticos também foi inspirada em um artigo produzido para a disciplina de Geografia da África, ministrada pelo professor Márcio Abondanza Vitiello, do Instituto de Ciências da Natureza (ICN). Neste trabalho, a proposta era realizar uma análise de como os conteúdos de História da África são tratados nos livros didáticos anteriores e posteriores a Lei nº 10.639/2003.

Sob a orientação da professora Ana Lúcia da Silva, a acadêmica realizou uma leitura aprofundada da Lei nº 10.639/2003 e também da Lei nº 13.415/2017 a qual regulamenta o Novo Ensino Médio (NEM). Giovanna também fez um levantamento bibliográfico da literatura antirracista presente nos livros didáticos do NEM, a fim de observar quais autores negros são citados nos livros didáticos analisados.

Eixos temáticos

“Depois de folhear as páginas dos livros didáticos, alguns eixos temáticos foram definidos para realizar a análise, tais como: História da África e cultura; O povo negro na diáspora africana; Movimentos sociais no Brasil e na América Latina: movimento negro, e Movimento Negro na América do Norte”, diz.

A partir dos eixos temáticos, foram selecionados e analisados os conteúdos apresentados, o que evidenciou lacunas na abordagem de importantes temas. “De uma forma geral, até o presente momento, verificamos que os livros contemplam de certa forma a Lei nº 10.639/2003, no entanto de forma muito condensada”, afirma.

No volume analisado, de acordo com a autora do trabalho, a temática aparece em dois capítulos dos livros intitulados “Lutas sociais e reflexões sobre a existência”. Nestes, a desigualdade social é associada à discriminação. As obras também retratam o movimento estadunidense ‘’Black Lives Matter’’, mas de forma superficial.

“Esse volume em questão também tem um panorama geral do movimento negro no Brasil. O livro citou a filósofa Sueli Carneiro, o que é muito importante considerando a importância dessa ativista negra e filósofa, um dos ícones do movimento de mulheres negras, fundadora do Geledés – Instituto da Mulheres Negras (1988). Porém, o texto do livro didático é fragmentado e não apresenta de forma ampla a biografia de Sueli Carneiro”, avalia.

Conforme Giovanna Costa, outro volume analisado apresentou um grande referencial teórico sobre a temática no capítulo “Dilemas Repúblicas Latino-Americanas’’, com conteúdos que abrem caminhos para a educação antirracista. O capítulo 16 traz contribuições sobre conceitos para o estudo das relações étnico-raciais como: racismo, preconceito e discriminação; relatos de vivências; democracia racial e branquitude.

No entanto, segundo a pesquisadora, o livro não cita a autora Cida Bento, estudiosa do assunto e autora do livro ‘O pacto da branquitude’, lançado em 2022. “Por mais que esse capítulo seja muito rico em trazer alguns principais conceitos da discussão étnico-racial, o mesmo traz esses conteúdos com pouca profundidade”, analisa.

Em ‘’América: Povos, Territórios e Dominação Colonial’’, Giovanna Costa também observou a predominância da visão colonial. “Nesse livro se destacou a Filosofia africana em poucas páginas do livro, enquanto que a Filosofia europeia ganhou diversos capítulos, sendo mais detalhada”, aponta.

Para a acadêmica, diante dessa realidade, é importante que docentes tenham uma formação inicial e continuada que contemplem estudos da História da África e Cultura Afro-Brasileira, e de Educação e Relações Étnico-Raciais, para aprofundarem os estudos realizados em salas de aulas, e não se limitarem aos conteúdos apresentados nos livros didáticos.

“É interessante que professores e professoras tenham acesso a outras referências e outros materiais didático-pedagógicos que proporcionem a Educação antirracista, para que as lacunas dos livros didáticos não deixem de ser trabalhadas”, indica.

Ao comentar as contribuições da pesquisa, a autora enfatiza que as produções da intelectualidade negra permitem construir caminhos para a educação antirracista e das relações étnico-raciais. “Essa bibliografia possibilita ver a aplicabilidade da Lei nº 10.639/2003, identificar as lacunas nos livros didáticos, verificar em que podemos contribuir para a educação e relações étnico-raciais, combatendo-se o racismo e o epistemicídio, e por fim, fomentar a descolonização do currículo escolar, a proposta pedagógica curricular, a formação docente e a prática didático-pedagógica”, argumenta.

A autora do estudo salienta ainda que o acervo de livros da Biblioteca da UNIFAL-MG está em processo de expansão com a aquisição de livros de intelectuais negros. “É uma política importantíssima para disponibilizar referências que propiciem a educação antirracista”, frisa.

Repercussão

A comunidade científica já vem acompanhando os resultados do trabalho de Giovanna Costa e da professora Ana Lúcia da Silva, que têm sido divulgados por meio de apresentações em eventos científicos, como no 32º Seminário Nacional de História (ANPUH Nacional) “20 anos depois – A Lei nº 10/639/2003”, ocorrido de forma on-line em julho de 2023.

“Estamos nos organizando para a divulgação desses resultados por meio da publicação de capítulo de livro e/ou artigo científico”, conta Giovanna Costa.

Alguns resultados da pesquisa de iniciação científica estão sendo utilizados na redação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da discente, sob orientação da professora do curso de Geografia, Sandra de Castro de Azevedo, o qual também utiliza da Lei Nº 10.639 de 2003, mas voltado à ideia de formação inicial de professores e professoras dos cursos de formação de docentes de Geografia nas instituições públicas de ensino superior do estado de Minas Gerais.

Foto: Divulgação/Unifal

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