O arcabouço institucional brasileiro de combate a crimes ambientais já foi considerado um dos mais avançados do mundo e, entre os anos de 2004 e 2012, o país foi capaz de reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia. Entretanto, de 2013 até 2022, houve um aumento de 60% na taxa de desmatamento no bioma. Agora, o governo federal luta para retomar o controle da situação, tendo conseguido reduzir os níveis de supressão florestal na região em 2023.
Diante desse cenário, pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e parceiros analisaram mudanças-chave que impactaram a dinâmica do desmatamento na Amazônia de 2000 a 2020 e alguns acontecimentos cruciais entre 2018 e 2022.
O trabalho, intitulado Lessons from the historical dynamics of environmental law enforcement in the Brazilian Amazon, acaba de ser publicado na revista Scientific Reports. Nele, foram avaliados indicadores como mudanças na intensidade da aplicação da lei, na eficiência da fiscalização, alterações no processo legal, e, por último, as mudanças na capacidade institucional e militarização.
Os pesquisadores concluíram que, de 2000 a 2011, investimentos no crescimento e aperfeiçoamento técnico das equipes do Ibama e ICMBio, bem como melhorias no Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) e a criação do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), ambos sob responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e fundamentais para melhoria do monitoramento do desmatamento, possibilitaram a intensificação e o crescimento da eficiência da fiscalização.
Durante esse período, foram emitidos mais 19,6 mil embargos ambientais e 52 mil multas no valor de 2,6 bilhões de dólares, abrangendo uma área de 1,4 milhão de hectares. Por meio das informações de geolocalização que passaram a ser incorporadas cada vez mais aos autos, os pesquisadores puderam verificar uma grande correspondência entre as áreas autuadas e o desmatamento ilegal detectado por satélite.
Reação ruralista
Como consequência da fiscalização mais rígida e eficiente, forças políticas ruralistas pressionaram pela reforma do Código Florestal Brasileiro, consolidada em 2012, e, assim, conseguiram anistia referente a 58% do desmatamento ilegal realizado antes de 2008 e o comprometimento de diversos processos legais em andamento. A estimativa é de que 11,4 mil multas por infrações contra a flora no valor de US$ 1,07 bilhão tenham sido suspensas.
Embora entre 2012 e 2018 tenham sido emitidos 24 mil embargos e 32,3 mil multas, no valor de US$ 3,8 bilhões, que cobriam um universo de 1,9 milhão de hectares, o valor das penalidades foi sendo reduzido ao longo do tempo. A comparação entre o número de propriedades rurais e as áreas de desmatamento ilegal alvo de operações de campo sugere uma queda na eficiência da fiscalização a partir de 2012 e um aprofundamento dessa ineficácia após 2018.
Em relação a questões legais, os pesquisadores avaliam que a criação do processo de conciliação e a centralização dos julgamentos por crimes ambientais em 2019 aumentaram a probabilidade de impunidade para quem desmata ilegalmente. Enquanto o número médio anual de multas pagas era de 1.017, no período de 2004 a 2018, esse número caiu para 480 em 2020.
Em 2021, o número de processos que aguardavam julgamento no Ibama era de quase 99 mil. No entanto, apenas 95 servidores civis estavam designados a atuar como conciliadores, 27 autoridades aptas a julgar em primeira instância e apenas uma na segunda e mais alta instância, revelando a deficiência no quadro de recursos humanos para dar conta dessa demanda. Como consequência, em 2022, apenas 250 audiências de conciliação foram concluídas e menos de 2% de autos de infração lavrados no mesmo período.
Em comparação ao período 2012-2018, o número de multas pagas resultantes desses processos despencou 97%, em 2020, e 85%, em 2021.
Transferência de operações custou caro
Em relação à capacidade institucional, a mudança mais significativa foi a transferência da liderança das operações do Ibama e do ICMBio –historicamente os grandes responsáveis pela maior parte do combate aos crimes ambientais na Amazônia – para as Forças Armadas.
O resultado foi o crescimento dos alertas de desmatamento em 113%, em 2019, e 60%, em 2020, durante as operações do exército Verde Brasil e Verde Brasil 2. A extensão de área queimada na Amazônia em 2020 atingiu o mesmo patamar de 2010, ano de seca extrema no bioma. As operações de inspeção caíram abaixo da média histórica especialmente em 2020, os autos de infração por crimes contra a flora caíram 65% no mesmo ano e o confisco e a destruição de equipamentos e embargos reduziram 83% e 87%, respectivamente.
Os custos, porém, foram muito mais altos do que sob a liderança dos órgãos ambientais. Enquanto entre 2004 e 2020, os gastos totais do Ibama com fiscalização somaram 338 milhões de dólares, os custos das operações militares Verde Brasil 1 e 2 foram de 90,3 milhões de dólares. Em dois anos de operações militares, foi gasto cerca de um terço do valor total dispendido pelo Ibama em 16 anos, e o resultado foi o crescimento de 62% da taxa de desmatamento na comparação com a média anual entre 2009 e 2018.
Intervenções de governança
Apesar de extremamente negativos, esses apontamentos, na avaliação dos autores do estudo, indicam que várias possibilidades de intervenções de governança podem contribuir para que o Brasil restabeleça sua posição de vanguarda no combate aos crimes ambientais. “Para além de aumentar autuações e embargos, é necessário fazê-los valer, concluir os julgamentos das multas, aliar o gasto público com governança efetiva”, defende o pesquisador associado do CMS Felipe Nunes, líder do estudo. “As instituições financeiras e agências sanitárias ainda não conseguem impedir que desmatadores ilegais vendam seus produtos ou obtenham crédito, porque eles já sabem como burlar e esconder a origem contaminada de seus produtos. Nesse contexto, instrumentos públicos capazes relevar o desmatamento de fornecedores diretos e indiretos de commodities, como as plataformas SeloVerde PA e MG, em conjunto com programas de regularização ambiental em larga escala, serão cruciais para reduzir o desmatamento nos próximos anos”, sugere o pesquisador.
Foto: Ag. Brasil