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Colecionadores “nadam contra a maré” do ideal de progresso, diz tese de professor da UFMG

Colecionar objetos é um típico ato que, no imaginário de uma sociedade tecnicista e produtivista, deve ser deixado em segundo plano. O mesmo acontece com tudo aquilo que não requer foco no resultado final. Nessa perspectiva, a recusa ao ideal de progresso — suplantado pelas emoções, experiências, afetos e sentidos — pode ser entendida como uma forma de romper com o ideário hegemônico. Tal inversão foi explorada pelo professor Gabriel Farias Alves Correia em sua tese de doutorado Colecionar é voltar no tempo: histórias e memórias da gestão de colecionadores mineiros, defendida neste ano, no Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração (Cepead) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

De acordo com o professor, o objetivo do trabalho foi compreender como algumas coleções particulares mineiras são formadas e geridas, no tempo e espaço, pelas pessoas entrevistadas. Gabriel Correia empreendeu um estudo qualitativo-histórico com 29 colecionadores individuais e com cinco grupos colecionadores de Minas Gerais. “Aqueles que se dedicam a rememorar o que passou, sem compromisso com a produção, nadam contra a corrente do sistema, em que tudo é urgente, intenso e rapidamente esquecido”, observa. A principal contribuição da pesquisa, que contou com financiamento da Fapemig, foi trazer para o campo da Administração a noção de que o foco múltiplo no passado, no presente e no futuro favorece a resolução de problemas de gestão. 

“Estamos, assim, valorizando nossas soluções próprias — que, no tempo presente, reverberam nosso passado escravista, mas vislumbram um futuro próspero. A partir das histórias e memórias da gestão de colecionadores, propomos saídas que negam qualquer matriz importada dos Estados Unidos ou da Europa. Como país oriundo de um processo de colonização, o Brasil tem modos próprios de colecionar, de gerir, de ser e estar no mundo”, explica. 

Vida social organizada

A análise sobre o colecionismo, de acordo com o autor, pode ser fragmentada nos seguintes enredos: o ser colecionador, o foco da prática, o imbricamento da memória individual com a coletiva e os aspectos de gestão — incluindo a aquisição dos objetos, o armazenamento, a manutenção e a questão econômica.

Gabriel Correia explica que o colecionismo se enquadra nos estudos da administração mediante a concepção de “vida social organizada”. “A própria administração empresarial deve ser compreendida entre as estratégias organizativas e cotidianas da vida. Trabalhamos com estratégias cotidianas de recordar, relembrar e rememorar. A sociedade colecionadora mineira, nas especificidades de suas vivências, auxiliou na ampliação do conhecimento sobre a organização e a gestão dos processos organizativos da vida”, sustenta.

A Administração, portanto, deve extrapolar a produtividade e considerar as dimensões do tempo, do espaço e dos sentimentos. “Ao levar em conta a rememoração, a nostalgia e a contemplação, fomentamos a multiplicidade de modos de ser, estar e gerir próprios do sul global, que apresenta modos de romper nas brechas e nas fissuras de uma administração tradicional, funcionalista e produtivista”, pondera Gabriel Correia. 

Perspectivas

O pesquisador tentou clarificar a razão pela qual as memórias só têm sentido para os colecionadores mediante a posse dos objetos. Segundo ele, esse é um ponto que deverá gerar desdobramentos. “O ato de recordar, aparentemente, tem um teor fisiológico e uma função biológica, como ocorre na construção de um ninho, que é lugar de segurança e de abrigo. Os materiais — e as memórias — do passado dão suporte para o tempo (e a vida) presente”, metaforiza.

Foto: Blog Império Antiquário

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