Cotidiano

Professor da UFMG participa de expedição na Antártica e reforça alerta sobre mudanças climáticas

As condições climáticas assustaram o coordenador da primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico, professor Luiz Henrique Rosa, pesquisador do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. De volta ao Brasil, depois de passar mais de dez dias no extremo norte do planeta, o cientista alerta: o derretimento do Ártico é irreversível. Segundo Rosa, o que está acontecendo lá pode acontecer com a Antártida e isso irá impactar todos os seres vivos.

“Nós fomos acima do limite do círculo polar ártico, 78N, muito próximo do polo, e a uma temperatura alta, 15 graus durante 24 horas-luz”, relatou o cientista que também é membro do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas (CONAPA) do Programa Antártico Brasileiro. “O verão descongela o gelo marinho. O inverno faz congelar novamente. A cada ciclo o congelamento é menor. Os polos regulam a temperatura de todo o planeta, que está perdendo a influência do Ártico”, explicou. Ele acredita que o mesmo fenômeno pode acontecer na Antártida e que, dada sua maior proximidade, “vai impactar mais a gente”.

A observação do efeito das mudanças climáticas no Ártico, “que eu ainda não tinha visto in-situ, liga um alerta para ficarmos muito preocupados”, afirma o coordenador do laboratório temático de Microbiologia Polar do INCT da Criosfera. De acordo com o pesquisador, elas refletem em tudo, desde os organismos que habitam determinadas regiões até a economia.

“O derretimento do gelo marinho eleva o nível do oceano no mundo inteiro. Há nações que vão sofrer com isso, ilhas já estão se perdendo, ficando submersas, gerando imigração”, exemplifica. Ele também cita a perda da biodiversidade. “Organismos que só vivem nesses ambientes não vão sobreviver. E outros, que estão congelados há muito tempo, podem se desprender, originando novas pragas e doenças. Não sabemos o que vai acontecer”, lamenta.

Apesar do impacto com os efeitos das mudanças climáticas, a primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico, na avaliação do professor Luiz Rosa, foi um sucesso e alcançou seus objetivos, o que dará origem a vários trabalhos. “Fizemos um ‘raio x’ e pudemos conhecer a logística para estarmos presentes na região. Também conseguimos coletar a maior parte das amostras que estabelecemos como meta, solo, plantas, rochas, exceto neve e Permafrost (camada de solo, em tese, permanentemente congelado)”, completou.

De acordo com o professor, o descongelamento dessa camada de solo implica a liberação de metano produzido por bactérias presentes no Permafrost, o que aumenta o efeito estufa, e de organismos cujas consequências do contato com o resto do planeta são desconhecidas.

Resultados

O processamento de parte do material coletado teve início durante a viagem. “Improvisamos um laboratório no hotel e extraímos o DNA (chamado ambiental) do próprio substrato para identificar a biodiversidade presente nas amostras”, contou o professor Luiz Rosa. A expectativa é de que até o fim do ano já se possa conhecer os resultados dessa etapa do trabalho. As amostras originais ainda estão em trânsito e serão estudadas para uma próxima etapa do trabalho, “identificar os organismos vivos ali presentes”.

Chefe do Laboratório de Microbiologia Polar e Conexões Tropicais (MicroPolar) do Departamento de Microbiologia do ICB UFMG, Luiz Rosa revelou que há um interesse em verificar a existência de substâncias com potencial de uso como herbicidas, detergentes, anticongelantes, pigmentos, que podem ser aplicados, por exemplo, na agricultura e na indústria.

Colaboração

A missão diplomática da primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico também teve resultados positivos. Assim que chegaram a Oslo, os pesquisadores brasileiros foram recebidos por diplomatas na embaixada brasileira para dar continuidade a tratativas iniciadas antes da viagem. “Cientistas de outras nacionalidades que pesquisam na região demonstraram o interesse na interação com o Brasil”, afirmou Luiz Rosa. A perspectiva é de que uma nova expedição, conjunta, aconteça no próximo ano.

A expedição ao Polo Norte vai se transformar em um documentário, definido pelo professor Luiz Rosa como um marco para a ciência brasileira. Com o tema Paralelo 60: ciência do Brasil nos polos do planeta, a produção deve ser lançada no segundo semestre de 2024 e será exibida inicialmente pela TV Minas. Ao todo serão 13 capítulos, cada um com 26 minutos, sendo dois deles exclusivamente destinados ao Ártico. As gravações continuam no segundo semestre desse ano na Antártida.

Volta ao ártico

Uma segunda expedição ao Polo Norte já está sendo planejada, com perspectivas de se realizar no inverno para que os cientistas possam fazer o monitoramento do ar, coletar amostras que não foram obtidas na primeira viagem, como a neve, e comparar os achados que trouxeram no verão.

A primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico aconteceu entre os dias 8 e 21 de julho de 2023, com a participação da bióloga Vivian Nicolau Gonçalves, também do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG; Paulo Eduardo Câmara e Michelini Carvalho-Silva, da Universidade Federal de Brasília (UnB); e Marcelo Ramada, da Universidad Católica de Brasília (UCB). Contou com apoio institucional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Marinha do Brasil.

(Texto de Dayse Lacerda)

Fotos: Luiz Henrique Rosa 

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